* Intervenção realizada por João Paulo Araújo de Carvalho¹ durante a “Quinta Literária: Dorensenidade”, organizada pela Academia Dorense de Letras e transmitida virtualmente pelo Instagram @adldores em 01 de outubro de 2020, contando com a participação de Luís Carlos de Jesus e Domingos Pascoal de Melo.
1. DEFINIÇÃO
É orgulho; é querer bem; é uma ligação entre terra e gente que está calcada em cada pedra de suas ruas, em cada árvore de suas praças, em cada cor e sabor que emanam dos saberes e fazeres do dorense, nos encontros e desencontros que marcam a história de cada morador da cidade e dos povoados, imprimindo em suas memórias o amor a esse solo consagrado a Nossa Senhora das Dores.
É a percepção de que, mesmo para aqueles que não mais vivem fisicamente nesta terra, por conta das circunstâncias da vida, Nossa Senhora das Dores continua presente no seu ser, nos seus hábitos, nas suas melhores memórias.
2. COMO SE CONSTRÓI
Não se sente orgulho, não se ama, aquilo que não se conhece. Então, o primeiro passo para despertar em cada dorense o sentimento de pertencimento ao lugar onde nasceu ou vive é conhecê-lo. Isso pode ser feito através das cores usadas pelos nossos artistas, das letras impressas nos livros, dos sons que embalam nossos dias, dos sabores que dão à nossa existência um sentido singular, enfim, do conhecimento e da vivência com nossa história, nossa cultura, nossas paisagens, nossa gente, com cantos e encantos que representam o ser dorense.
Conhecer e valorizar nosso patrimônio é o caminho para sua preservação e para a construção dessa identidade, ou dessas identidades, que chamamos de dorensenidade, pois, cada indivíduo se relaciona de modo singular com esse bem querer que é Nossa Senhora das Dores.
É necessário, portanto, se apropriar da nossa história, da nossa cultura, das nossas potencialidades ambientais, como meio mais eficiente nesse processo de construção de laços afetivos que é sintetizado no termo dorensenidade.
Conhecer a história de onde se vive é conhecer a si mesmo, é reconhecer-se como ser dotado de passado e agente transformador do futuro. Afinal, não somos somente nós que vivemos no lugar, o lugar também vive em nós através de nossos fazeres, saberes, crenças, artes, meios de produção econômica, enfim, de tudo o que se produz com nossas mãos e imaginação.
3. A MINHA DORENSENIDADE
As identidades são subjetivas e o termo dorensenidade é uma tentativa de representa-las objetivamente, de sintetizar esse bem querer que é próprio de cada dorense. Afinal, dorensenidade não é um mero conceito, é um sentimento, um sentimento de pertencimento que é uma via de mão dupla, pois, ao mesmo tempo em que o indivíduo se identifica como parte de um todo, o lugar no qual nasceu ou escolheu para viver; também percebe que este mesmo lugar integra seu ser, fazendo-o reconhecer-se como dorense por comungar de uma história e de uma cultura comum a outros milhares de conterrâneos, é uma tatuagem impressa no coração dos viventes das Dores, daqueles que conhecem cada uma de suas veredas e histórias.
A minha dorensenidade não pode se dissociar da criança que cresceu no centro da cidade, que viu com tristeza seu patrimônio edificado ser destruído, suas festas serem extintas ou ressignificadas, mas que, também, vivenciou muita coisa boa, ao som do sino da mais linda igreja sergipana construída no século XX, ou nas batidas do martelinho de um sapateiro que foi meu contador de histórias, que teve a oportunidade de fluir da liberdade de suas praças, dos campinhos de futebol, das trilhas na serra do Besouro, das águas refrescantes do rio Sergipe, do sabor dos beijus das casas de farinha do Gentio, da traíra torradinha no bar do Jarinho, do pirão de galinha de capoeira de dona Marlete, do manuê de milho e do doce de leite de dona Anita, da beleza e da fé contagiante das beatas do Madeiro e dos Penitentes, enfim, de quem construiu seu amor a esta terra vivendo-a, banhando-se nas águas de seu rico patrimônio.
· ENFORCADOS – LUGAR DE RESISTÊNCIA
Primeira referência escrita: 04 de outubro de 1606
Nome se deve ao enforcamento de indígenas pelos primeiros colonizadores, no processo posterior à “Guerra de Conquista de Sergipe” (1590), com a distribuição de terras para a criação de gado.
Indígenas resistiram à escravização, à perda de suas terras e de sua identidade. Foram mortos na forca para dar exemplo aos demais, para amedrontá-los e fazê-los ceder aos interesses do invasor.
· ENTENDIMENTO DO 11 DE JUNHO – ZELO PELA HISTÓRIA
11 de junho de 1859 – deu-se a emancipação política, com a elevação da povoação de Nossa Senhora das Dores dos Enforcados à categoria de município autônomo em relação à Vila de Nossa Senhora da Purificação da Capela. Em 16 de setembro de 1860, foram realizadas as primeiras eleições para o novo município da Vila de Nossa Senhora das Dores, instalado em 28 de abril de 1861 com a posse dos membros da Câmara Municipal.
Já em 23 de outubro de 1920, devido ao crescimento do município, graças à lavoura algodoeira, à criação de gado e ao comércio, bem como à presença de dois representantes dos mais de 15 mil dorenses na Assembleia Legislativa de Sergipe, a sede municipal foi elevada de Vila à categoria superior de Cidade.
· PENITÊNCIA – RESPOSTA AOS DESAFIOS DA VIDA
O século XIX foi marcado por grandes desafios aos moradores da Vila de Nossa Senhora das Dores. Secas e doenças epidêmicas, como varíola, cólera e febre amarela, eram uma constante. O entendimento da época era de que esses fatos que causavam dor e morte era castigo divino, o que levou os dorenses a se voltarem para a oração penitencial. Essa tradição surgida há mais de um século ainda permanece viva através das procissões do Madeiro e dos Penitentes, que na “Sexta-feira da Paixão” fazem dos cemitérios, cruzeiros, capelas e santas-cruzes da cidade e da periferia lugares de oração pelos mortos e pela salvação das almas através do perdão dos pecados.
· MARTÍRIO DE ELPÍDIO – DEMONSTRAÇÃO DE AMOR AOS DORENSES
Na madrugada de 15 para 16 de outubro de 1930, o temido grupo do cangaceiro Virgulino Ferreira, o Lampião, tentou uma desforra contra os dorenses, pois os mesmos se armaram e se entrincheiraram para evitar que ele repetisse a tarde de 25 de novembro de 1929, quando entrou triunfante na cidade, obrigando os moradores a contribuírem com dinheiro para manter aquela indesejável visita como pacífica. Assim, mesmo torturado com requintes de crueldade para delatar os protetores da cidade, inclusive seu pai, o jovem José Elpídio dos Santos, morador do Cruzeiro das Moças, foi barbaramente assassinado. Por este crime, foi instaurado o único processo judicial conhecido em Sergipe contra o temível “capitão do cangaço”.
· ENGAJAMENTO NA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL – CONTRIBUIÇÃO DOS DORENSES NA LUTA PELA LIBERDADE E CONTRA O TOTALITARISMO
Em 1942, o Brasil se viu diante do ataque de submarinos alemães, em plena 2ª Guerra Mundial, o maior conflito armado da história. Atendendo aos apelos da população, o presidente Getúlio Vargas declara guerra à Alemanha e aos seus aliados. Assim, Nossa Senhora das Dores se viu dentro do teatro de operações na Itália através do tenente João Ferreira de Campos, nascido no então povoado Cumbe, e do primeiro-tenente aviador Theodomiro Alves de Campos. Esses bravos dorenses contribuíram para a derrota do nazi-fascismo e para a vitória da democracia, retornando para a terra natal como heróis de guerra condecorados. João Tenente viveu até seus últimos dias na avenida Lourival Batista, próxima ao Colégio Francisco Porto. Já o capitão Theodomiro, tornou-se escritor e faleceu no Rio de Janeiro, ainda estando entre nós vários membros de sua extensa prole, dentre os quais sua filha Izabel que continua residindo nas proximidades da praça XV de novembro.
4. E A SUA DORENSENIDADE?
Fica aqui o desafio. Não existe UMA dorensenidade, pois, um sentimento é algo plural que se constrói de acordo com as vivências de cada indivíduo. O desafio é que cada um busque identificar qual a SUA dorensenidade, quais peças você pode construir e ajudar a encaixar no mosaico que forma AS DORENSENIDADES, essa multiplicidade de relações, de bem-querença que nos faz sentir e viver o ORGULHO DE SERMOS DORENSES.
5. POEMAS QUE TRANSPIRAM DORENSENIDADE
“Se te busco / ó cidade minha / é porque me sinto parte / de teu corpo / célula de teu ventre.
Se ainda teimo / em preservar-te / renomeando-te / tornando-a mágica / etéria / é porque a palavra é forte / e, registrada, é pedra, é ferro / faz-se indestrutível
Eu te reinvento num parto / doloroso / por saber-te pobre / órfã de todos os bens
que possuíste.
Hoje, é apenas um anelo / que se traduz em dores / no estrangulamento / de um enforcado / que se quis amante de ti / minha cidade”.
Manoel Cardoso (poeta, ficcionista, folclorista, dorense), publicado no livro Translúcido silêncio (2003)
“Maldita saudade que dói... / Parte o peito feito navalha / Sangra, arde, atrapalha. / Às vezes parece polvorosa / Vezes devassa e assim vai...
Rasgando os caminhos / Ermos do tempo, / Calando silêncio que se move / Na mesma direção / Sugando horas, dias, meses, anos / Triturando tudo e dispersando / No seixo manso do rio Sergipe.
Rio de águas que se arrastam / Lentamente / Vagarosas de poluentes / Que banham e fecundam / As terras que me viram nascer / Oh rio plangente!
Que as esperanças não cessem / Cessando / As cinzas não se petrifiquem / Se assim o fizer, ressurgirei delas / E exaltarei o teu nome / Nossa Senhora das Dores.
Vez que meus passos latejam / Nas tuas ruas, avenidas / Como se fossem palavras / Não deixarei morrer a tua história / Atrairei do sonho visionário.
Mas a saudade... Essa dói! / No âmago feminino / De quem te ama!!!”.
SAUDADES INFINDAS, de Salete Nascimento (poetisa, cordelista, dorense), publicado no livro Nas asas do vento (2011)
¹ Professor, Historiador, Membro da ABLAC, ADL e do GEEL.
E VIVA À DORENSENIDADE
Por Domingos Pascoal de Melo ²
É na Aldeia que o universal acontece.
Sinceramente, não há como esconder a alegria e a honra que a mim acodem ao ser convidado para participar de uma Live com o professor Luiz Carlos de Jesus e João Paulo Araújo de Carvalho, respectivamente, presidente e ex-presidente da Academia Dorense de Letras.
Tamanho contentamento justifica-se por vários motivos: é a Live que abre a programação para comemorar os 100 anos de ascensão à condição de cidade do município de Nossa Senhora das Dores que, desde a sua emancipação em 1859, permaneceu como Vila até o dia 23 de outubro de 1920, quando foi elevada à categoria de cidade.
É também um momento em que podemos comemorar os seis anos de profícuos trabalhos da ADL – Academia Dorense de Letras, fundada em 07 de maio de 2014 e instalada no dia 14 junho de 2014.
E, sobretudo, porque estamos no primeiro dia do mês da “DORENSENIDADE”, esta feliz ideia, cunhada pelo acadêmico e pensador prof. João Paulo Araújo de Carvalho, para despertar o genuíno sentimento de orgulho e pertencimento de seu povo na cidade da Senhora das Dores e, que será solenemente comemorada no dia 23 de outubro, numa sessão conjunta das Academias Dorense e Sergipana de Letras, com a participação: do MAC - Movimento de Apoio Cultural Antônio Garcia Filho, da Igreja Católica, do PMD - Projeto Memórias Dorenses, do GEEL - Grupo Enforcadense de Estudos Literários, da ONG-Cultivar, do GAD - Grupo Ambientalista de Dores e do PCAD - Projeto Cem Anos de Dores.
A Academia Dorense de Letras, nesses seis anos de existência, já pode ser tida como um divisor de águas na sua história recente, desta cidade fomentando e criando energia boa, geradora do desenvolvimento no campo da História, da Literatura, da Educação, da Arte e da Memória de jovens e adultos de Nossa Senhora das Dores.
Por justiça, acredito ser necessário fazer aqui um registro e nominar aqueles que em boa hora abraçaram a ideia e colocaram a Academia para funcionar, dando-lhe todas as possibilidades para que hoje possa realmente mostrar que existe uma visível divisão entre um antes e um depois dessa importante instituição.
A ideia foi, a princípio, abraçada por: Ary Pereira de Souza, João Paulo Araújo de Carvalho, Luís Carlos de Jesus, Maria de Lourdes Santos Cerqueira – Lulu, Maria Salete da Costa Nascimento, Manoel Messias Moura, João Everton da Cruz, Vitérbio Santana, Antônio Saracura e Domingos Pascoal que, a partir daquela memorável reunião do dia 07 de maio de 2014, na sede da CDL - Câmara de Dirigentes Lojistas de Nossa Senhora das Dores construíram a nossa Academia Dorense de Letras.
² Membro da ADL e ASL
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